Capitulo 49

Parei em frente a um prédio chique de Higienópolis e me senti deslocada. Isso não vai dar certo. Estava usando um jeans surrado e o meu All ...

sábado, 19 de janeiro de 2019

Capitulo 49


Parei em frente a um prédio chique de Higienópolis e me senti deslocada. Isso não vai dar certo. Estava usando um jeans surrado e o meu All Star favorito, uma roupa apropriada para passar uma “noite com as meninas” vendo UFC – imaginei. Só que eu nunca tinha ido na casa da Mia. Mal sabia direito onde era, tive que jogar o endereço no Google. Aí descobri, um pouco tarde demais, que ela morava numa mansão. Ou quase isso. Não que fosse difícil morar melhor do que eu e o Fernando, claro. O nosso prédio ficava no meio sujo de uma das principais bocas da cidade. E a minha roupa estava muito mais apropriada para aquilo do que para aquele edifício imenso que claramente tinha apenas um apartamento por andar.

Depois de uma certa espera, fui atendida na porta pela mãe da Mia. E imediatamente percebi de onde a filha havia puxado os seus “atributos”. How you doin’, mommy?, pensei e ri. Entrei muito bem-recebida e ela me apresentou brevemente o apartamento. Então me levou até o quarto onde estavam as meninas. Eram seis, incluindo a Mia, e todas estavam aos berros com a televisão. Apostando que nem umas loucas e zombando dos caras no ringue, aos gritos, embriagadas de tanta cerveja. As latinhas e os baldes de pipoca já vazios lotavam o chão, espalhados.

Eu estava claramente atrasada.

As lutas já haviam começado há algum tempo. Sentei ao lado da Mia e me diverti observando as reações empolgadas dela a cada soco ou joelhada. Aquilo era diversão de primeira classe: ver um grupo de mulheres bonitas gritando palavrões e enchendo a cara. Maravilhosas. A Mia me explicava quem eram os lutadores, conforme eles apareciam. Eu não sabia bosta nenhuma sobre UFC. Ou qualquer outro esporte – mas estava adorando.

Era difícil entender como me comportar ali. Com a Mia, especificamente perto das amigas dela. Fui me soltando aos poucos e as horas passaram voando. Levantei para buscar mais cerveja na geladeira – o último de quatro engradados – e fiquei perdida pelo apartamento por alguns segundos. A cozinha ficava do outro lado da sala de estar e, em minha defesa, posso afirmar que a porta estava posicionada em um lugar nada a ver. Debrucei-me sobre a geladeira e ouvi a Mia entrando. Ela me abraçou por trás, apoiando os braços nos meus ombros, ao redor do meu pescoço.

_Precisa de ajuda? – perguntou, soando bêbada e feliz.

Respirei fundo. Aquilo acabava comigo. Todo aquele “contato” com ela. Acho que a Mia sequer se dava conta e toda vez o meu coração disparava, bastava a sua pele encostar na minha. Por mais casualmente que fosse. O fato é que nós andávamos nos encostando mais nos últimos tempos. Muito mais do que o normal. Ela me abraçava, segurava a minha mão, me olhava de perto, apoiava a cabeça no meu ombro enquanto víamos TV, essas coisas de amiga patricinha no colégio. E acabávamos encostando também os ombros, as pernas, os pés. Era como se estivéssemos nos esbarrando inconscientemente.

E, com plena consciência da minha falta de controle, isso podia se tornar um problema.

Às vezes, eu não sabia o que pensar. Sentia que ela tinha desenvolvido algum tipo de afeição por mim – que não era só um lance de amiga, mas também não chegava a ser romântico. Menos ainda sexual. Eu não entendia, por exemplo, quando ela resolvia entrelaçar secretamente os seus dedos nos meus, por debaixo da almofada para as amigas não perceberem. Todos aqueles sinais ambíguos vindos dela – indiretos demais, subjetivos demais. Tudo me levava a crer que aquela era uma tentativa real dela de me provocar. Só que não era.

E isso me enlouquecia. A dúvida. Os joguinhos. O vai e num vai. Toda a porra daquela discrição. Tudo. Era uma tortura, o tempo todo.

Mas eu não queria que ela parasse.

Capitulo 48


Logo concluí que era a Roberta. Quem mais poderia ser? Ela morava razoavelmente perto e algo me dizia que o rolo da noite anterior não ia acabar tão cedo. No entanto, ao sair na frente do estúdio, vi a Mia fumando na calçada.

A regata branca deixava à mostra parte de suas tatuagens e a alça de um sutiã preto. O shorts jeans justíssimo mostrava todo o resto. Caralho! Como ela tá linda. Tudo na Mia me chamava a atenção, eu não conseguia evitar. Ela sorriu ao me ver e eu passei as mãos no rosto, tentando desviar os olhares indiscretos na sua direção. É mulher demais para mim, puta que pariu.

_O que você está fazendo aqui? – perguntei, sorrindo de volta.
_Vim encontrar meu irmão na Lapa e resolvi passar por aqui para ver como você estava...
_Ah, tô bem. Trabalhando, puta sono do cão.
_E está tudo bem com você e o Fer? Ele pareceu irritado no telefone, mas não me explicou o que era.
_Sei lá. Nós brigamos ontem e aí hoje de manhã o clima estava uma merda no apê – respondi, roubando o cigarro da sua mão, sem pedir – Mas é o Fer. Daqui a pouco passa.
_Vocês brigaram no aniversário ontem? O que aconteceu?

Nada demais. Ele deu em cima de uma ex-namorada e eu armei um chilique, nós dois estávamos completamente bêbados. Chamei uma ficante lá em casa, comi ela a noite toda, pensei em você, a gente brigou e hoje de manhã o Fer torrou minha paciência, porque não aprova a forma como eu levo minha vida. Enquanto tudo o que eu queria era estar com a namorada dele. No caso, você.

Refleti antes de responder à pergunta. É melhor eu mentir.

_Foi uma besteira qualquer, nem esquenta – traguei o cigarro e devolvi para ela – A gente bebeu um pouco além da conta, só isso. Sabe como é.
_Hm... – ela pareceu desapontada com a escassez de informações, mas logo mudou de expressão e tornou a sorrir – Então, mas na real eu vim te fazer um convite. Cê vai fazer alguma coisa hoje? Vai rolar uma noite para as meninas lá em casa, talvez fosse legal você vir.
_”Uma noite para as meninas”?

Comecei a rir, tentando bloquear todos os pensamentos sujos e os trocadilhos lésbicos da minha cabeça. Sem muito sucesso. A Mia me deu um tapa leve no braço:

_Para de rir!
_Desculpa. Parece legal, sim. O que vai rolar?
_Você assiste luta? – ela perguntou e, dada a minha cara de surpresa, continuou – UFC?
_Sei... – murmurei, confusa.
_Então, eu e as minhas amigas costumamos assistir às lutas mais importantes. Você sabe... Pipoca, cerveja, brigadeiro de microondas e um monte de homens se matando na televisão – ela sorriu e eu levantei as sobrancelhas, como se não acreditasse – Não faz essa cara! É divertido, juro. Você vai gostar.
_Que eu vou gostar, eu sei. Já você e as suas amigas...
_Como você é chata! – ela riu, ofendida – Eu não ando com gente fresca. Você acha que eu gosto de quê?
_Sei lá, mas também não te imaginava como uma fã de esportes violentos. Tipo, nada desse nível tão... “hardcore”.
_Olha, você se surpreenderia... – fez graça para mim – ...eu sei pegar beem pesado!

Não me fala essas coisas, mulher. Pelo amor de deus.

_Ok – sorri – conte comigo.

Capitulo 47


Eram duas da tarde e eu já estava exausta. Passar a noite acordada antes do último dia da semana não era a ideia mais brilhante que já me passou pela cabeça. E enquanto o meu chefe enlouquecia em uma sessão interminável de fotos, eu era constantemente despertada aos berros do meu estado semi-vegetativo.

Preciso dormir, suspirei já quase fechando os olhos. Urgentemente. E pela milésima vez na última hora, avisei que precisava ir ao banheiro. A minha necessidade real por litros e litros de água, devido à ressaca que me atormentara o dia todo, até que encobria bem os minutos que eu passava sentada no chão do banheiro, cochilando encostada na parede. No entanto, logo eu ia precisar de outra desculpa para fugir do estúdio.

(...)


Acordei assustada. Olhei no celular e já haviam se passado onze minutos. Merda, xinguei em voz alta. Saí do banheiro rapidamente, forçando uma cara de destruída e doente, tentando dar a entender a todos que eu estava realmente passando mal, não apenas sonolenta.
Ao voltar, dei de cara com a secretária do meu chefe, uma japonesa miúda e irritantemente bem-humorada. Por algum motivo, ela me observava desde que adentrei a sala, como se me esperasse. Vou levar bronca, pensei desanimada, eles devem achar que eu estou indo cheirar no banheiro ou algo do tipo a cada dez minutos.

_Tem uma garota esperando você lá na frente...

Ela disse calmamente, como se aquilo fosse algo normal e cotidiano. Arregalei os olhos, surpresa.

_Eu?!

Capitulo 46


Na manhã seguinte, veio a ressaca. Moral ou não – talvez as duas, não sei. Abri os olhos e senti minha cabeça doer. A conta de todos os chopps da festa do Marcos finalmente chegou. Merda. Olhei para o lado e vi a Roberta deitada só de calcinha na minha cama.

O que diabos eu fui fazer?

Às vezes acho que o meu julgamento falha. Especialmente de madrugada. Parece que tudo ganha uma dimensão maior e mais dramática. Aí eu me deixo levar por uns desesperos egocêntricos para não ficar sozinha, uns impulsos megalomaníacos e sem escrúpulos. Eu só faço merda. Levantei da cama para desligar o alarme do celular, que martelava na minha cabeça.

Vesti alguma coisa apropriada para trabalhar. Ou quase. E acordei a Roberta, que continuava adormecida. Ela só faltou pular da cama quando soube que já eram quase 8 da manhã. Estava mais atrasada do que eu. Ao chegarmos à cozinha para tomar café-da-manhã, nos deparamos com o outro trabalhador esforçado daquele apartamento. Trajado de samba canção e olheiras imensas.

À primeira vista, o Fer continuava emburrado comigo. Ah é, além de tudo teve a nossa briga. As lembranças da noite anterior eram uma pior do que a outra. Assim que entrei na cozinha, o Fer olhou para a minha cara e depois me ignorou, tomando um gole de água apoiado na pia e desviando o olhar para o outro lado. Mas então notou a Roberta entrando atrás de mim:

_Nossa! – sorriu – Você eu não via fazia tempo aqui!
_Só eu que não, né? – ela se aproximou para cumprimentá-lo, rindo – Quem andou tomando café com você além de mim, hein?
_Vixi... – ele riu – Isso você esclarece com aquela ali. Eu não vou me meter.
_Olha, eu não sei do que vocês estão falando... – dei de ombros – Eu nunca trago ninguém pra tomar café aqui.
_Cê sabe que sempre foi minha favorita, né, Rô? – ele a abraçou de lado e me olhou satisfeito – Achei que vocês não estavam mais juntas, meu. Que bom que vocês voltaram!
_Não, nós não “voltamos” – respondi – Aliás, nós sequer “fomos”.
_Mais ou menos, não é? – a Roberta retrucou.

Só faltou me fuzilar com os olhos. Quis dizer que não namoramos. Não dá para voltar, se a gente sequer terminou. Os dois ficaram de gracinha por alguns minutos, me chamando de “Coração Gelado” e enchendo o meu saco. Basicamente matando a saudade um do outro. Enfiei a cara na dispensa, à procura do cereal e da minha integridade. Aquilo era uma tortura. Logo, para o meu alívio, a Roberta deu-se conta do horário. E saiu correndo pela porta, atrasadíssima. Sem sequer me dar um beijo de despedida – o que, admito, incomodou um pouco o meu coração injustamente apelidado de gelado.

_Meu, na boa, você devia namorar com ela.

O Fer comentou, ao me ver entrando novamente na cozinha, já desacompanhada.

_Não, obrigada, tô de boa.
_Por que não?

Porque a única garota que eu realmente quero é a sua.

_Hein? – ele insistiu, diante do meu silêncio – Por que não?
_Não é da sua conta, Fernando, que saco.
_Meu, nem vi ela chegar ontem... Que horas a coitada veio para cá?
_Ah... Era tarde, sei lá. Meia noite e pouco.
_Na boa, olha isso, quinta-feira de madrugada... A garota te adora! – ele se exaltou – Sério, meu, sabe se lá por que motivo, ela é completamente idiota por você e você não está nem aí...
_Eu gosto dela, não é isso – respondi, acendendo um cigarro –. Só não quero casar com ela, porra.
_Talvez você devesse, ao invés de ficar aí pulando de galho em galho... – ele murmurou.
_Que é? Deu pra dar palpite agora?

Ele ficou quieto e balançou a cabeça, como se eu o tivesse irritado. Comemos o restante do café da manhã em silêncio e eu saí o quanto antes para trabalhar. Intrometido, me revoltei, aquilo só podia ser retaliação pela noite anterior.

Capitulo 45


É que eu gosto muito de mulher, muito além da conta.

Ai, ai...

Acendi um cigarro e soltei a fumaça lentamente, contemplando-a se desfazer no ar. Aquilo me dava uma certa paz... O sexo, digo. Mas não porque era com a Roberta. Poderia ser com qualquer pessoa, eu não ligava. Me virei para o lado e olhei para a Roberta por um instante. O seu rosto ainda estava vermelho, exausta de tanto exercício. O quarto todo estava quente. Ela sorriu e eu sorri de volta. Então voltei a encarar o teto e traguei mais uma vez, segurando a fumaça por um tempo até soltar. Foi quando a Mia apareceu na minha cabeça.

Se algum dia eu te levar para a cama, pensei, isso não vai me dar paz.

Só a ideia da Mia sem roupa ao meu lado fez as minhas pernas se moverem sobre o colchão, se reajeitando, incomodadas e descobertas. Numa vontade de se enroscarem nas dela. Você ia acabar comigo. Eu nunca me sentiria tão tranquila como eu me sinto com a Roberta. A Mia ia foder com toda as minhas estruturas. Acabar com a minha sanidade, me tirar do sério. Não ia sobrar nada de mim. Eu sei. Não conseguia sequer cogitar sem que meu estômago fosse tomado por um bilhão de borboletas em fúria. Ia ser bom pra porra, imaginei.

_Nós nos divertimos juntas, não? – a Roberta perguntou, ao perceber o sorriso estampado no meu rosto.
_Sempre – respondi, meio indiferente, me virando para olhá-la.
_Senti falta disso...

Ela me abraçou pela barriga, encostando a cabeça no meu ombro. Não respondi nada. Estava absorvida pelos meus pensamentos. Continuei fumando e observei as curvas que formavam o seu corpo, grudado no meu e magnífico. Como alguém pode não gostar disso? Na minha cabeça, não fazia sentido a existência de mulheres héteros. Ou de viados. Por mais que eu apoiasse toda diversidade, no fundo eu não conseguia entender como alguém não se sente atraído por mulheres.

_Você está quieta... – a Roberta sussurrou, me observando.
_Estou pensando... – murmurei de volta, enquanto sonhava acordada com centenas de garotas e as pernas maravilhosas da Mia – ...num é nada demais.
_Pensando em quê?
_Em mulher.

Traguei mais uma vez o cigarro, com um leve sorriso no rosto. A fumaça formava círculos no ar, depois sumia. A Roberta ergueu a cabeça, feliz, olhando na minha direção:

_Em mim?
_Não – respondi, desatenta.
_Oi? – ela se irritou imediatamente– Mano, você é tão filha da puta às vezes, sabia?! Acho que você nem percebe.
_Calma aí, meu. Não foi isso que eu... – vi ela levantando e colocando a calcinha, ao lado da cama – Caralho, viu. Volta para a cama, Rô. Não é isso!
_Em quem você estava pensando?
_Porra, qual é. Não vai dar chilique a essa hora, peraí, vai...
_Responde então: em quem você estava pensando?!?
_Em ninguém, meu!
_Você é inacreditável.
_EU?! O QUE EU FIZ? – subi o tom de voz, indignada – Eu estava aqui na minha, mas que inferno...
_Bom, você pode ficar “na sua” sozinha.

Ela respondeu, vestindo a blusa, como se quisesse sair logo dali. Passei as mãos no rosto, sem acreditar que tinha me metido naquela discussão em plena madrugada. A Roberta estava furiosa, mal olhava na minha cara.

_Olha para mim... Roberta!

Mas que droga. Por que eu fui abrir a boca?

_Rô: eu não estava pensando em ninguém. Mano, eu estava só... Sei lá! – comecei a me explicar, sem acreditar que precisava mesmo fazer aquilo – Estava pensando em mulheres em geral. Foi só o jeito de falar! Eu não fiz nada! Você vai mesmo fazer essa ceninha toda, porra?
_CENINHA?! – ela riu, ofendida.
_Rô, desculpa. Me escuta...
_Não. Tem sempre alguém. Sempre. Eu não sei por que diabos eu continuo saindo com você! Porque tem sempre alguma garota, outra babaca melhor do que eu para você pensar CINCO MINUTOS DEPOIS DE ME COMER. PORRA, QUAL É SEU PROBLEMA?
_NÃO FOI ISSO QUE ACONTECEU!
_Pensando bem, que se dane. Sinceramente eu tenho pena de quem quer que seja, porque se relacionar com você é impossível! Eu cansei dessa merda.
_Roberta... – eu levantei, abraçando-a quase à força – ...para, meu, não faz isso.
_Eu não deveria ter vindo – ela tentava se soltar, com os olhos marejados – Eu sou uma IDIOTA.
_Não. Para com isso. Porra, linda... Não tem nada a ver! Eu juro, eu não estava pensando em ninguém.
_Como você pode falar isso pra mim? Depois de me chamar aqui?!
_Eu me expressei mal, eu não sei por que eu falei daquele jeito. Desculpa! Não era isso, é sério. Eu não quis dizer que tava pensando em outra pessoa. Meu, dois segundos antes eu tava olhando pra você sem roupa, com o corpo colado no meu. E aí comecei a brisar em como é bom estar com mulher, gostar de mulher, sei lá! Pensei que é bizarro que existam minas héteros. Eu não tava pensando nada com nada!! Foi mal. Eu falei besteira, gata. Me perdoa.

A Roberta suspirou. A verdade é que uma única resposta vinha carregada de todas as outras vezes que eu tinha sido uma completa idiota. Eu a abraçava sem desviar de seus olhos, sinceramente arrependida. Eu faço tudo errado. Mas que droga. Ela apoiou a cabeça no meu colo, com os braços apertados no meu corpo. E se acalmou.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Capitulo 44


Roberta:

                                                                                         e ai... oq ta fazendo? :)



oi
td bem?
nossa.. achei q tivesse te assustado pra sempre :(


                                                                                     
                                                                                      vc n me assusta, Ro.. 
                                                                                     de onde vc tirou isso?



ahh sei la, vc saiu correndo da outra vez
nem tive a chance de te falar nd



                                                                                        falar oq?



naum sei.. faz tanto tempo, neh?
com ctz alguma bestera minha hhuahuahaua
olha, vc sabe q eu gosto de vc ;)



                                                                                             eu tb gosto de vc, linda
                                                                                            mas eh complicado       



eu sei.. sempre soube neh hhuahauhaua



                                                                                            qro te ver..
                                                                                            vem pra ca..



vc eh uma figura!! hhashausahuahsua
maaano sabe q hrs sao???



                                                                                          qual o problema? vc n ta dormindo



naum mas tbm num vo pegar o carro e ir ate a paulista essa hr!!
hhuahauahauahauhuahauahuahaua
meu na boa.. serio eu trabalho amanha




                                                                                            isso nunca foi problema pra gnt, foi?
                                                                                            vem ai, poxa..



vc eh doidaa hhuahuahauaha



                                                                                           ta. deixa quieto entao..



naum,pera.. qr saber..
aff naum acredito q to fazendo isso
ta olha, eu vou.. mas me espera ai heim
naum vai dormir hhuahauhauaha






                                                                                        jamais, gata.. rs
                                                                                        claro q espero

Capitulo 43


Deitei a cabeça no travesseiro e dobrei as pernas, com os pés descalços na cama. Acendi um cigarro. Eu odiava brigar com o Fer. Os nossos estranhamentos estavam sempre relacionados ao álcool ou ao desgaste cotidiano, nunca por motivos realmente relevantes. Aquilo me fazia um mal tremendo, discutir com ele assim. E o pior era que, uma vez que tivéssemos começado, ninguém pedia desculpas. Orgulho em excesso – pois é, transbordando pelas janelas daquele apartamento.

Não tenho motivo para estar brava com o Fer, me convencia. Eu deveria agradecer caso ele realmente fizesse alguma merda, não surtar. Eu levava a mão até o rosto e tragava novamente, encarando o teto, deitada. E em seguida, eu me irritava: como ele é idiota. Quem preferiria aquela playmobil magrela à Mia? Quem preferiria qualquer garota à Mia? Meus pensamentos se contradiziam e me tiravam o sono. Ah, se ela fosse minha... Juro. Eu não ia olhar para nenhuma direção senão a dela, prometi a mim mesma.

A minha raiva de vê-lo dando em cima de uma qualquer não fazia sentido para mim. Não suportava a ideia dele machucando a Mia, mas também nunca fui altruísta a esse ponto. O Fer perdeu a noção. Talvez eu só quisesse descontar nele o meu rancor por todo o meu lance com ela, não sei. De uma forma ou de outra, o Fer era o problema. O namorado, o empecilho, a pedra no meio do caminho. E o meu subconsciente vingativo sabia disso.
No entanto, desejar o fracasso do relacionamento deles soava egoísta demais para mim. E eu não queria que isso acontecesse. Nunca quis, nem por um segundo. Eu gostava demais dos dois para desejar qualquer mal a eles. Por outro lado, a ideia de que eles ficassem juntos para sempre me apertava o coração violentamente.

Antes dos beijos e das conversas cochichadas no corredor, eu costumava ser conformada com a ideia de nunca tê-la para mim. Agora essa possibilidade era insuportável. Eu estava dividida: se eu ficasse com ela, sem dúvida o Fer ia me matar. E se eles continuassem juntos, eu ia começar muitas outras brigas como aquela e eventualmente íamos acabar nos matando. Ou seja, a previsão não era muito melhor do que o fim de um filme do Tarantino. E eu não queria perder a minha amizade com o Fer, não por uma garota.

Só que não é uma garota qualquer, meu coração logo contestou, é a Mia.

Isso não vai dar certo, suspirei. Eu sabia que não ia conseguir dormir, não por algum tempo. Apaguei o cigarro, me levantei e andei pelo quarto. Era quase meia noite. Sentei na cadeira do computador, apoiando meus pés na mesa, abri o facebook olhando todos os nomes na minha lista de amigos.

Capitulo 42


Na quinta-feira, foi a comemoração do aniversário do Marcos. O cara era um dos melhores amigos do Fer. Nós três estudamos juntos desde o primário e, portanto, a nossa presença naquele barzinho da Vila Olímpia, às exatas 19h, era indispensável.
Pra variar, eu estava sem grana para comprar qualquer presente. Então descolei uma fotografia cool nas sobras do estúdio e escrevi um pequeno depoimento – mas de coração – por cima da imagem. O Fer passou para me pegar no trabalho e fomos de carro até lá. Ao contrário de mim, ele levava um pacote quadrado e fininho embrulhado no banco de trás. Um vinil. Tipicamente Marcos.

Chegamos com um atraso significativo no bar, apesar de eu e o Fer termos nos empenhado em afugentar todos os pedestres e demais motoristas do nosso caminho aos berros. Somos realmente bons em palavrões e gestos obscenos. Ainda assim, a nossa entrada triunfal aconteceu quase uma hora após o início do aniversário. Que se dane, pensei, nós podemos.

A mesa estava lotada. Aquilo parecia uma viagem ao passado – incluindo todas as garotas que eu havia corrompido durante o colegial e todos os meus antigos amigos, atuais assalariados responsáveis e ex-headbangers convictos.
Com exceção do aniversariante da noite e alguns poucos aqui ou ali, a maioria não me interessava. O Fer, por outro lado, se mostrou rapidamente interessado na garota sentada ao seu lado, a Júlia. Ex-namorada pegajosa, lembrei, com bastante desgosto. Ela era um antigo “grande amor” dele que se tornou uma dessas hipsters bonitinhas. Algo assim.

Começamos a beber e as conversas saudosistas animavam cada vez mais a mesa. Mas algo começou a me incomodar.

Quando atingi a marca do 8º ou 9º chopp, eu já estava ligeiramente sem controle. Olhei na direção do Fer e o vi completamente bêbado, debruçado sobre a tal menina, a Júlia. Ambos riam de qualquer coisa, próximos demais ou íntimos demais. Aquele cachorro desgraçado. Levantei imediatamente, sentindo uma certa revolta infundada, e fui até eles. Puxei o Fernando para fora da mesa, fazendo com que ele me seguisse até a lateral do bar.

_QUE DIABOS VOCÊ TÁ FAZENDO? – gritei, assim que nos afastamos de todos.
_O que diabos VOCÊ está fazendo? – ele respondeu, alterado.
_COM AQUELA GAROTA, FERNANDO!
_Nada, porra! Nós só estamos conversando!
_Conversando?! A meio milímetro de distância?
_Qual é o seu problema, caralho?!
_E a Mia? – eu o olhava, furiosa.
_O que tem a Mia?!
_Como o que tem, porra?
_Mano, eu não tô fazendo nada! Que saco! – ele contestou – Me deixa em paz... Por que você se importa com isso? Você sequer se dá bem com a Mia, porra.
_Claro que eu me dou bem com a Mia! De onde você tirou isso?
_Sei lá, vocês vivem brigando! Ela está falando com você e depois não está mais falando com você e depois vocês são melhores amigas de novo e aí brigam por algum motivo misterioso e então fazem as pazes… – resmungou, bêbado.
_O que isso tem a ver com a Júlia?
_NADA! Justamente, essa é a questão! – ele riu, nervoso – Por que você está brava, meu?
_Não quero que você faça nenhuma besteira. A Mia não merece, só isso – cruzei os braços, no auge da minha hipocrisia.
_Besteira? VOCÊ não quer que eu faça alguma besteira? Olha quem fala: a “Integridade” em pessoa!
_Você está bêbado, Fernando…
_Você também está!
_Pelo menos, EU não estou me jogando em cima de ninguém…
_É! Pois é. O que aconteceu? Você está doente por um acaso? Não está se sentindo bem hoje? Porque não faz muito o seu tipo… – ele riu.
_Vai se foder.
_Mano, vai se foder você! Por que você está brava comigo? Eu não fiz nada, caralho!
_Ainda, né...
_Cuida da sua vida.


Fiquei quieta. Ele tinha razão: eu deveria mesmo cuidar da minha própria vida e não ficar me metendo na dele. Não sabia porque estava tão irritada em ver ele se "engraçando" com alguma menina insignificante do passado. O problema era que eu conhecia o Fernando e sabia que ele não era a pessoa mais confiável do mundo quando se tratava de autocontrole e de Júlias da vida. Aquilo era sacanagem com a Mia e eu sabia. Parte de mim não queria que ela passasse por isso. O que eu não entendia era como eu  logo eu  podia me incomodar com um possível problema no relacionamento deles. Eu devia era estar incentivando, pensei. Mas simplesmente não conseguia. Que irônico.

_Eu quero ir embora e você vai junto – decidi.
_Tá, que se dane. Você já estragou essa bosta mesmo...

Entramos no carro, batendo as portas, e fomos. Não trocamos uma palavra até a Frei Caneca.

Capitulo 41


A Mia se virou de barriga para cima, encarando o teto. E eu continuei a olhá-la, com o rosto apoiado no travesseiro. Ficamos em silêncio por um bom tempo. Ela parecia estar mergulhada nos seus pensamentos e eu a observava, encantada. Ela é tão linda, suspirei.

Virei de barriga para cima também e ela me olhou. Ficamos lado a lado, olhando para o teto. E de repente, senti sua mão se encostando na minha, entrelaçando seus dedos nos meus.

_O que exatamente você disse? – perguntou.
_O que eu disse quando?
_Pros seus pais... quando contou.
_Ah... Eu disse “Pai, mãe: adivinhem só? Eu sou lésbica!” – eu ri e ela me encarou como se não acreditasse – Ok, tá, não foi bem assim. É que eu... Eu namorava uma menina na época e ela vivia indo lá em casa, dormíamos de porta trancada, sabe? E isso começou a incomodar os meus pais. Então, um belo dia, eu cheguei e falei: “olha, a verdade é que ela não é minha amiga, tá bem? Nós somos namoradas. E eu não queria ter que fechar a minha porta toda vez que ela vem aqui, mas eu estava com medo de contar para vocês”.

A Mia apertou a minha mão e eu sorri. Aquilo me fazia bem. Qualquer tipo de contato com ela fazia com que eu me sentisse genuinamente feliz.

_Deve ser difícil... Ter que encarar os seus pais e contar.
_ Poderia ser pior, sabe? Conheço gente que sofreu muito depois de sair do armário. Meu pai banca o engraçadinho, mas é até que é de boa... E para falar bem a verdade, eu já estava de saco cheio. De ter que mentir, me esconder, não poder levar as minhas namoradas nas festas de família, ter que falar sobre os caras do N’Sync com as minhas primas e coisas assim. Tinha que ficar trocando os pronomes toda hora – eu ri – e depois você se sente bem também, pode ser você mesma e ter as suas próprias opiniões sobre quem você acha gostoso ou não.
_Você sempre levou isso na boa, não é? Esse lance de gostar de meninas...
_Acho que sim. Não tem nada de errado, Mia. Aliás, é puta coisa maravilhosa! Quem em sã consciência ia preferir gostar de macho? – brinquei – Faz parte de quem eu sou, sei lá. E é bem divertido na maior parte do tempo. Isto é, quer dizer, pode ser meio complicado às vezes. Mulheres são meio complicadas.
_Eu sou meio complicada, você quer dizer? – ela riu.
_É, você é bem complicada... – eu ri também.
_Besta.
_Mas, sei lá, eu não trocaria meu coração por um hétero nem por um milhão de reais...

Olhei para ela e sorri. Finalmente, estamos conversando a respeito. Aquilo me deixava extasiada e eu não conseguia conter a minha cara de boba. A Mia voltou a encarar o teto e não disse nada por um tempo. Eu a observava atentamente. Uma hora, enfim, ela suspirou:

_Meus pais morreriam – disse –. Acho que me expulsariam de casa na mesma hora.
_Bom, já está na hora mesmo de você sair, não é? Vinte e um aninhos nas costas e tal...
_Sua mala – ela riu.

Capitulo 40


No caminho de volta para casa, a Mia já estava presente em cada pensamento que passava pela minha cabeça. O estranho, eu refletia, era que por mais que nós nos metêssemos em situações confusas e às vezes até acabássemos brigando, eu continuava sentindo um carinho enorme por ela. Constantemente presa àquele sentimento, àquele impulso na sua direção.

Nos últimos dias havia ficado claro para mim que, de alguma forma, ela gostava de mim. O problema era que eu não sabia qual a forma exatamente e isso me enlouquecia. Entrei no apartamento e joguei minhas tralhas no sofá. A luz da cozinha estava acesa, mas não ouvia um ruído sequer vindo de lá. Então, resolvi ir investigar. Estranho, não tem ninguém aqui. Fui para o corredor e reparei numa luminosidade fraca vinda do quarto do Fer. Coloquei a cabeça para dentro e encontrei a Mia, sentada na cama, com o laptop no colo.

_Oi... – disse, encostando na porta.
_Oi...

Ela sorriu de volta para mim. Que mulher linda, inferno.

_O Fer não está aí?
_Não, foi buscar alguma coisa para a gente comer... Você já jantou?
_Já... Meu pai passou perto do meu trampo hoje e fomos num restaurante lá perto – respondi, entrando no quarto – é sempre a mesma conversa, toda vez que saímos juntos... Ele acha que eu e o Fer somos casados ou algo do tipo.
_Você e o Fer? – ela riu.
_Juro. É ridículo.
_Mas, espera, ele não sabe que você...?
_Sabe. Ele só ignora isso – balancei a cabeça e caí deitada na cama, ao lado dela.
_Mas que coisa... Há quanto tempo ele sabe? – ela perguntou, deixando o laptop de lado e deitando-se na minha direção.
_Uns cinco ou seis anos... Não sei... Deixa eu pensar, acho que foi com... Hm... É, eu tinha 17 anos quando contei.
_E o que ele disse?
_Nada.
_Nada?
_É, por uns dois meses inteiros – eu ri.
_Isso é horrível!

Ela começou a rir e eu concordei, foi mesmo.

_Mas depois vocês ficaram bem, não é?
_Claro... Sei lá, acho que por mais difícil que seja, as pessoas que realmente te amam acabam entendendo... e nunca deixam de te amar, sabe? Em algum momento elas percebem que você não pode ser feliz de outra maneira e acabam entendendo.
_Mas seu pai não aceitou totalmente... Digo, por causa desse lance do Fer e tudo mais.
_Acho que ele fala mais por brincadeira... No fundo, ele sabe que não é assim, só não perde as esperanças de um dia me ver entrando numa igreja, sabe? Ao lado de um bom rapaz.
_Olha, o Fer não é exatamente o que eu chamaria de um “bom rapaz”...
_É, acho que você tem razão – eu ri.

Capitulo 39


Não vi a Mia por uns três dias e, na quarta-feira, meu pai me ligou. Isso mesmo, o meu pai. Aquele ser bonachão adorável e ocupadíssimo que raramente entra em contato comigo. Não que nós tenhamos motivos para não ligarmos um para o outro, simplesmente não gostamos de telefone. Sempre restringi o meu uso a situações de real necessidade – e certamente não puxei esse hábito da minha mãe, que é a reencarnação de algum telefonista.

Sendo assim, me surpreendi ao ver o telefone do meu pai piscando na tela do meu celular. Larguei o trabalho imediatamente e o atendi. Estava com saudades de ouvir sua voz. Logo na primeira frase fui intimada a encontrá-lo para um jantar. A ligação chegou em boa hora: eu estava faminta e a quantidade absurda de álcool comprada para a festa havia acabado com todos os meus últimos centavos.

Meu pai era um paulistano convicto, nunca deixava a cidade e raramente pisava para fora do seu mundinho em Santo Amaro. Aquela quarta-feira era uma exceção: um compromisso profissional qualquer o arrastou para as redondezas do estúdio onde eu trabalhava. Eis o porquê do telefonema, concluí. E sem pensar duas vezes, fui encontrá-lo num restaurante "chiquê" a poucas quadras dali.

_Como vai no emprego? – perguntou interessado, pouco tempo depois de começarmos a comer.
_Bem. Sei lá, normal. Muita coisa para fazer como sempre, mas está tranquilo.
_E em casa, tudo bem?
_Sim, claro...
_Como vão as coisas entre você e o Fernando? – ele me olhou, forçando um olhar de “sogro” na minha direção.
_Pai... o Fernando não é meu namorado, você sabe disso. Nós somos amigos.
_Isso é o que você continua me dizendo, mas aquele garoto gosta de você – ele continuou, como se estivesse coberto de razão –. Pode escutar o que eu estou te dizendo. Eu sei como é.
_Não, escuta você o que eu estou dizendo: o Fernando gosta de garotas que gostam de meninos, como ele. E não de meninas, como eu.
_Por favor! – ele riu – Vocês não se desgrudam há anos! E ele nunca está com outra garota a não ser a minha linda filha... Não é mesmo?
_Isso não é verdade – balancei a cabeça, com uma careta de quem acabou de ouvir a maior besteira do mundo – O Fer está sempre com alguém. Inclusive ele está namorando agora.
_Com você? – o meu pai sorriu, com uma certa ironia.
_Não... Com uma outra garota, o nome dela é Mia.
_Mia? E ela é boazinha? Você gosta dela?


“Muito. Inclusive, acho que estou apaixonada”. “Sim, passo o dia inteiro pensando nela”. “Pois é, gosto tanto que poderia levá-la para cama”. “Claro, pena que o Fer chegou primeiro”. “Quem te contou???”. “Ok, admito, eu beijei ela”. “Ilimitadamente”. “Óbvio que sim”. “Bastante, a gente até já se pegou umas vezes e agora não estamos nos falando direito. Sabe como é, né, pai? Coisa de amiga!”.

_Ah... – respondi, enfim, após descartar todas as minhas respostas sinceras – Ela é indiferente para mim.
_Você está com ciúmes – ele riu.
_Pois é, pai, pois é...

Concordei, a fim de não prolongar o assunto. Voltei a encarar a comida no meu prato e, involuntariamente, pus-me a pensar na Mia. Quase involuntariamente.